O Necrotério dos Vivos (Eduardo Taddeo) | Clio Indica

Estamos todos mortos

Carlos Eduardo Taddeo hoje é um dos maiores rappers e letristas do país ,suas músicas refletem a realidade social brasileira e sua trajetória de vida. Nascido em 1975, Eduardo passou todas as privações possíveis em sua infância, chegando a praticar pequenos furtos e roubos de carro na adolescência, o rap e hip-hop foram o outro caminho que ele conheceu, sua vida foi mudada quando entrou no mundo da música.

Ao lado de Mano Brown e outros, Eduardo é história viva do gênero e do que sofreu e sofre o povo preto e pobre nas periferias de São Paulo. Eduardo foi vocalista do Facção Central, um dos grupos de rap mais cruentos, de 1989 a 2013. Apesar da importância dos outros integrantes, Eduardo sempre se destacou enquanto compositor e voz principal do grupo. As letras do Facção Central sempre discutiram criminalidade, pobreza, racismo, sistema carcerário, violência policial e outros temas que estão no cotidiano da população trabalhadora.

A principal acusação que se fazia ao Facção Central, principalmente por parte da mídia comercial de massa, é que o grupo era apologista do crime ou que incitava a morte dos ricos, de fato é possível encontrar esses elementos na música do Facção, entretanto é necessário entender a criminalidade na sociedade capitalista. A violência social de forma mais ampla no capitalismo é expressão das contradições de classes e por vezes se expressa na criminalidade individual ou coletiva, a criminalidade aparece enquanto canalização do ódio de classe, espécie de reação violenta – por vezes condenável – daqueles sujeitos que se sentem diminuídos e oprimidos, que através da violação das leis vigentes e da propriedade privada se sentem potentes e suprem suas necessidades materiais. Essa é uma discussão muito mais ampla mas é necessário desmistificar esse estigma pelo qual o Facção Central e principalmente o Eduardo ficaram conhecidos.

Você pode ouvir o primeiro disco do álbum clicando acima

Em 2014 Eduardo lança seu primeiro álbum solo A Fantástica Fábrica de Cadáver. As letras continuam contundentes, mas é possível notar certa mudança da abordagem e variações nas temáticas. Agora muito mais politizado, as músicas discutem questões sociais complexas, sem deixar a agressividade típica do Eduardo.

O Necrotério dos Vivos foi lançado em 2020 é um álbum duplo com 29 faixas. O álbum se inicia com um manifesto arrepiante, que diz a que veio, chamado Estamos Mortos. O alto nível de politização de Eduardo Taddeo e a pancada que virá a seguir ficam claras na primeira faixa.

A musicalidade agora está muito mais abertas a outras influências do campo do hip-hop, além da típica boom-bap e da melancolia adicionada através dos vocais de apoio ao estilo soul music. No Facção Central era possível sentir um tom de lamento, mesmo de súplica nas músicas. Agora o flow é mais declamatório e rápido, as melodias são mais animadas no geral e é possível mesmo encontrar alguns elementos do trap, como em Sr. Candidato.

A diversidade de temas abordados impressiona. Eduardo soube se atualizar e outras demandas do tempo presente foram se incorporando às suas reivindicações. Em ABC do Feminicídio o patriarcado, machismo e feminicídio são discutidos por um relato fictício de um agressor preso, é interessante como Eduardo não cria nenhuma empatia com o personagem.

Você pode ouvir o primeiro disco do álbum clicando acima

A música Mês de Maio me emocionou de forma particular, Eduardo perdeu a mãe que ainda era bem jovem, aos 48 anos. Ela possuía Doença de Chagas e passou anos sustentando quatro filhos a trancos e barrancos mesmo com essa condição de saúde, a letra consegue transmitir o sentimento de uma perda irremediável e a admiração daquele que sabe sua mãe fez tudo o que era possível nas condições que lhes foram impostas. A música é muito mais um desabafo e homenagem que um protesto. Eduardo foi corajoso em se abrir de forma tão sincera.

É importante ressaltar que as músicas citam revolucionários diversas vezes e chamam a transformação social radical, em Não Vou Me Omitir e em Quero a Igualdade isso fica claro. A mensagem de Eduardo chegou a uma maturidade política nunca vista antes nas suas músicas. A apologia foi substituída por conscientização política e social, chamando a politização, conhecimento e organização dos oprimidos em geral. O lado B do álbum começa com Perdoar Nunca, Esquecer Jamais! que é um manifesto revolucionário, convocando a retribuição e a revolução.

O álbum é finalizado com um manifesto chamado Viver é Revolucionar discutindo a situação atual do país, a lógica da vida no capitalismo e pincelando a situação geopolítica mundial. Em tempos como esse “cabeças duras” esperançosos como Eduardo Taddeo são imprescindíveis. Um soldado da verdade que não muda com as tendências, com as vantagens materiais de rap da moda e faz da sua profissão ativismo político. Não parou no tempo e nem foi consumido por ele, se atualizou sem perder suas características mais notáveis e autênticas. Eduardo já faz parte do panteão dos grandes compositores e poetas do país, incitando a politizando a revolta de milhares de jovens e trabalhadores em geral. Ele ainda lançou dois livros: A Guerra não Declarada na Visão de um Favelado (2008) e A Guerra não Declarada na Visão de um Favelado Vol. 2 (2016). Enquanto Eduardo for considerado um mal elemento pelos canais de comunicação da burguesia, saberemos que ele é um rapper revolucionário.


FICHA TÉCNICA

Nome: O Necrotério dos Vivos
Autor: Eduardo Taddeo


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4 comentários Adicione o seu

  1. Wagner disse:

    Parabens pelo texto!

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  2. Vinicius Augusto disse:

    Precisamos difundir Eduardo pelos quatro cantos desse pais! Necessário! Fundamental!

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  3. Aline disse:

    As letras do eduardo e facçao me deram outra perspectiva de vida , me mostrou que nao precisava por arma na cabeça do boy , tem outros jeitos mesmo nos boicotando hj tenho 29 e consegui entrar na faculdade , deixei o passado apenas como a lembrança de que eu posso massacrar o boy que me humilha com um diploma na mao , e nao sendo mais uma estatística no sistema prisional feminino
    O rap salva eu sou a prova !!

    Curtido por 1 pessoa

  4. thundergunmat disse:

    “A principal acusação que se fazia ao Facção Central, principalmente por parte da mídia comercial de massa, é que o grupo era apologista do crime ou que incitava a morte dos ricos, de fato é possível encontrar esses elementos na música do Facção, entretanto é necessário entender a criminalidade na sociedade capitalista. ”

    Eu não sei se a afirmação “o grupo era apologista do crime ou que incitava a morte dos ricos” está correta, talvez a análise dela demande um pouco de tempo e um tempo ainda maior analisando as letras do Facção Central. Mas, um dos elementos presentes no rap é narrar a realidade do letrista e/ou narrar a realidade do povo brasileiro. Acho que é meio complicado fazer essa afirmação.

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