Qual Valor do Patrimônio Histórico?

Uma pequena reflexão sobre o valor do patrimônio histórico para a sociedade na qual está inserido e o papel ideal a ser desempenhado pelos órgãos de preservação e suas relações com o sistema de educação base e instituições de pesquisa

Esse texto vai ser um pouco diferente do tipo geralmente apreciado por aqui, essa terá um tom muito mais confessional e pessoal do que algum tipo de reflexão ou análise mais aprofundada. O tema abordado por esse texto é o patrimônio artístico e cultural e sua relação com a cidade e seus cidadãos. Cabe uma pequena explicação aqui: irei abordar exclusivamente o patrimônio histórico localizado nas estruturas urbanas, afinal, como veremos, é justamente a relação entre a cidade e o patrimônio que pretendo explorar. Outro ponto, o tema do patrimônio já foi tratado em vídeo pelo Clio, você pode ver o vídeo aqui, assim como o tema da memória, você poder o vídeo aqui.

O despertar para essa reflexão surgiu quando da minha viagem para São Luís, no Maranhão, para participar da prova de seleção de mestrado da UFMA, e a capital maranhense, a Ilha do Amor, é notoriamente conhecida por sua arquitetura, por seu casario, tipicamente colonial e imperial. Aliás, é um erro comum nós tomarmos por arquitetura colonial prédios construídos até no período regencial, evocando um passado ainda mais longínquo como se essa distância temporal agregasse ainda mais valor para as construções, como bem me lembrou um grande amigo o passado dá lastro para o presente.

Na primeira visada, pelo menos na impressão que tive, o casario ludovicense é mais completo, exuberante e original em comparação com outras cidades ditas históricas, como Ouro Preto, Mariana e Paraty. Já disse no vídeo citado acima, mas vale a pena ressaltar: eu detesto a expressão “cidade histórica”, para mim dá a ideia que há possibilidade da existência de cidades a-históricas, notavelmente uma contradição: se há espaço humano onde a história, ou seja, as mudanças humanas e sociais ao longo do tempo, está mais plasmada do que nas cidades eu, modestamente, desconheço. Em comparação com essas três cidades, coincidentemente ou não, do itinerário da Estrada Real, o Centro Histórico, local onde o casario de São Luís se concentra, se encontra em estado de degradação, há construções desmoronando ou em viés de desmoronamento, revelando um descaso do poder público e de parte da população com umas das características marcantes dessa cidade.

Sobre a conservação há dois problemas graves: o Centro Histórico se apresenta como um campo de batalha para os órgãos federais, estaduais e municipais de preservação de patrimônio histórico, ou seja, houve uma verdadeira corrida pelo tombamento, e praticamente todos os prédios e o traçado dessa região é tombada, e de acordo com as regras estabelecidas pelo tipo de tombamento, não pode haver nenhum tipo de descaracterização, procurando assim manter a paisagem e o estilo arquitetônico que remontem ao apogeu do surto econômico causado pela cultura algodoeira em terras maranhenses, porém tal medida não veio acompanhada de nenhum tipo de incentivo para os proprietários de imóveis em manter as características distintas que justificaram o tombamento. Nesse ponto, algum tipo de financiamento ou linha de crédito para obras e reformas, devidamente supervisionadas por profissionais competentes, aliados a uma política de fomento de pequenos negócios, como pousadas, restaurantes, comércios, serviria de incentivo para esses mesmos proprietários manterem os imóveis conforme determinado pelo tombamento.

Aqui entra o segundo problema grave: essas mesmas regras determinam que os proprietários podem mudar as características, e até demolir as construções, caso elas desabem. Ou seja, o incentivo que o poder público dá para os proprietários é o descaso, afinal eles incentivam de forma indireta, pois não há nenhuma política que barre a especulação imobiliária na região, o desaparecimento do patrimônio através da negligência e do descaso.

No meu entendimento, esse problema se dá pela sanha em se tombar tudo, em se preservar tudo, o que é uma irresponsabilidade, afinal, um dos fatores a ser levado em conta quando se faz a avaliação para o tombamento é justamente a relevância artística, arquitetônica, cultura e histórica que determinada construção possui em si. É ilógico acreditar que uma área com uma extensão relevante contenha apenas prédios e construções que tenham essa relevância absoluta, com esse movimento acaba-se diluindo a relevância do tombamento e a referência ao patrimônio. Acaba se preservando um azulejo simplesmente por ser um azulejo, e, convenhamos, um azulejo é apenas um azulejo se não estiver devidamente caracterizado e com uma narrativa por trás.

Percebemos então como falham os órgãos responsáveis pela preservação do nosso patrimônio cultural histórico e da nossa memória, colocando nas mãos dos proprietários apenas os ônus da manutenção dos prédios, inviabilizando uma mentalidade economicamente viável para as regiões tombadas esses órgãos acabam por fomentar uma mentalidade de descaso e irresponsabilidade.

Para mitigar esses problemas, para além das questões econômicas e de financiamento, é preciso haver uma parceria entre esses órgãos, o sistema de educação base de estados e municípios, além das instituições de pesquisa, como as universidades públicas e fundações culturais, para disseminar à população qual a importância do patrimônio em mãos, valorizando os gostos e sabores locais, agregando valor cultural aos prédios e traçamento urbano. Essa política não é instantânea, demora pelo menos 12 anos para surtir efeito, mas suas raízes se tornam mais profundas e duráveis, tornando um azulejo, por mais belo e significante, mais do que um simples azulejo, mas participe de um cosmos mais amplo que atende pelo nome de história e memória.


Abaixo algumas fotos, tiradas pela minha esposa, da minha viagem para São Luís ilustrando um pouco esse pequeno artigo:


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