Apontamentos sobre o papel da memória enquanto fonte histórica.

O que é Memória e como é utilizada pela História
A Memória é uma manifestação consciente ou inconsciente e está diretamente associada a informações, comportamentos passados que dão significação a um ser ou uma sociedade. Ela é responsável por criar identidade, nascendo pela necessidade de se reproduzir comportamentos socioculturais. A Arte é um bom exemplo de como a Memória pode ser apropriada e utilizada na divulgação de referenciais.
Ela pode ser individual ou coletiva, sendo que esta última possui grande importância para as Ciências Humanas, uma vez que tem uma função social, ou seja, ela é empregada como fonte para se estudar as mentalidades, condutas e expressões étnico-culturais de um povo. Como objeto de observação da ciência histórica, ela desempenha papel fundamental para se compreender os processos históricos coletivos, fornecendo uma base documental extremamente relevante.
A construção da Memória geralmente ocorre de maneira natural, construída através do tempo. Ela pode, no entanto, ser desenvolvida de forma artificial – reprodução de atos e comportamentos de forma mecânica, sem reflexão. Essa artificialização do recordar pode representar uma perturbação da Memória.
Outra perturbação acontece quando a coletividade passa por um esquecimento do passado ou de parte dele. Essa amnésia também pode advir naturalmente – não há renovação das pessoas responsáveis pela transmissão de tradições de um determinado povo, por exemplo – ou artificialmente quando sistematicamente há uma ação para destruir ou esquecer aspectos de uma sociedade. Sobre esse tema Jacques Le Goff informa em História e Memória“que:
[…] a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais de poder. Tornar-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas.
Jacques Le Goff – História e Memória
Vale também lembrar que esses esquecimentos também são alvo de estudos históricos pois podem revelar os motivos que levaram a essa amnésia coletiva e quais foram as repercussões e efeitos sociopolíticos e culturais para esse grupo de pessoas.
Tipos de memória histórica
A Memória se cristaliza por meio da linguagem, seja ela oral ou escrita. Quando se busca historicizar uma sociedade por meio de sua memória, é de fundamental importância entender por quais meandros se dão esse processo mnemônico. Pode-se dizer que as organizações sociais da Pré-História e da Antiguidade são essencialmente orais. A partir daí grupos sociais começaram a registrar cada vez mais suas memórias, seja por meio da iconografia, seja por meio da escrita. No mundo contemporâneo, o resultado desse processo memorização é sistematicamente registrado.
Já que a Memória tem como principal função a transmissão de conhecimento, os documentos nascidos dela são caracterizados por demarcarem origens (míticas, nacionais…), exaltar genealogias, registrar fórmulas religiosas, exacerbar a importância de heróis e personalidades públicas… A título de exemplificação, segue abaixo alguns casos da utilização de relatos mnemônicos que serviram para a produção historiográfica.
Exemplos da memória como documento histórico
Os incas, civilização pré-colombiana que ocupou boa parte do oeste da América do Sul e que foram conquistados pelos espanhóis no século XVI durante o início da ocupação dessa parte do continente, formaram uma sociedade na qual a transmissão oral era de fundamental importância como fonte legitimadora uma vez que, como império expansionista, havia a necessidade de legitimar o domínio desse Estado sobre os demais povos locais.

Havia dentro do império homens responsáveis por guardar na memória os relados dos deuses e de como estes criaram a descendência do líder Inca. Eles eram conhecidos por Amautas e eram tidos como os homens mais sábios. A eles também era delegada a tarefa de ensinar os jovens das castas nobres a ouvirem e memorizarem conhecimentos associados desde a ciência, passando pela matemática e religião, até as estratégias militares. Essas informações serviram de base para as crônicas escritas tanto por espanhóis quanto por indígenas, sobrevivendo ao tempo, possibilitando a atual se compreensão da cosmogonia incaica, bem como sua organização política, social e cultural.
Outro exemplo de cultura que está baseada na memória e oralidade são os beduínos. Esse povo nômade originário da Península Arábica e que vive também no Norte da África, ainda hoje sobrevive essencialmente da pecuária está dividido em tribos ou clãs.
O registro da tradição e narrativas desses grupos se apresenta no dia a dia quando os mais velhos da tribo ensinam como tratar dos camelos, louvando a água, mostrando o vínculo estreito que se estabeleceu entre eles e o deserto, mantendo sua tradição por meio de contos, canções, danças e festas.

Memória não é história
Muitas pessoas confundem o conceito de Memória e História, acreditando que não há diferença entre elas. Como já foi dito anteriormente a Memória é uma manifestação subjetiva da mentalidade individual ou coletiva e, portanto, não há nenhum tipo de crítica ou método para ser estabelecida. A História enquanto ciência, precisa ser objetiva e clara. Deve-se se seguir uma metodologia e buscar o máximo possível omitir opiniões pessoais. Ela deve ser embasada por fontes históricas e conceitos. A Memória dessa forma, é objeto de estudo da História.

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