Os papéis sociais e políticos de historiadores e professores de história

A maioria das faculdades de história do país está dividida entre aquelas direcionadas à licenciatura e aquelas ao bacharelado, e em alguns casos o graduado sai bacharel e licenciado em história, o que temos então é uma tripartição entre os profissionais de história: licenciados, bacharéis e bacharéis-licenciados. Traduzindo: segundo a abordagem de formação o profissional de história se divide entre os pesquisadores (bacharéis), os professores (licenciados) e os professores-pesquisadores. Precisamos entretanto, por conta dos pontos que levantaremos aqui, nos questionar: existe de fato uma real diferença entre ser professor de história e ser historiador?
A princípio nos parece ser óbvio que há uma distinção clara e evidente entre o fazer historiográfico e o lecionar histórico, afinal qual seria a necessidade real de haver uma distinção em termos lexicais se não houvesse essa distinção conceitual entre os termos questionados.
E podemos dizer que uma parte considerável dos profissionais de história, principalmente entre os bacharéis, essa distinção parece ser uma verdade pétrea, impossível de crítica ou contestação; acredito que tal atitude advenha de algum desejo inconsciente em busca de valorização do seu ofício e do seu fazer. Ser pesquisador em história, ser historiador, não é das tarefas mais simples e autoevidentes que possam existir; a tarefa de se lançar ao passado em busca de respostas para o presente é uma tarefa inglória por diversos motivos: o historiador tem um objeto de estudo confuso que emite os mais variados sinais e com resultados nem sempre satisfatórios. Valorizar a pesquisa histórica levada a cabo por bons profissionais instruídos em boas instituições de ensino, então, é um ato normal e até de certa forma esperado pela comunidade.
Por outro lado, acredito que todos aqueles levados à docência por vocação e amor, aqui cabe dizer que não devemos idealizar esse amor pela profissão por parte dos professores, muitas vezes isso é usado como desculpa esfarrapada e sem noção para não se valorar em termos salariais os professores, possuem verdadeiro orgulho de estar em sala de aula ensinando as jovens mentes do presente que um dia moldarão o futuro.
Há, entretanto, que se levar em consideração um ponto: o professor de história ao levar o historiador para sala de aula acaba por despertar, ou melhor, desenvolver um conhecimento histórico no alunato e assim começa agir a história em busca de novos pesquisadores, novas perguntas, novas respostas. Aliado a isso percebe-se uma mudança na consciência nesse corpo de estudantes, ou seja, ao adquirir consciência histórica os estudantes deixam de ser passivos em relação aos processos históricos, deixando de ser meros leitores e expectadores da história, e passam a ser ativos, tornando-se agentes históricos ativos e controladores de uma narrativa histórica na qual eles estão inseridos.
Isso posto devemos nos perguntar: um professor de história não seria, assim como o historiador, um agente histórico, em termos de construção e fomento de conhecimento histórico? A resposta não poderia nos ser mais clara… O que temos então é uma relação triangular entre historiadores-professores-de-história-estudantes em um ciclo virtuoso onde, idealmente, nascem consciência, conhecimento e fazer histórico.
Aqui é preciso dizer, apenas por mera formalidade, que estamos pensando na chave do conhecimento histórico, e não do conhecimento historiográfico, apesar de próximos e dependentes, há uma boa diferença entre história e sua historiografia: não podemos ser ingênuos ao acreditar que todo estudante acessando os saberes e as consciências históricas — social, política, cultural, etc. — será um ente historiográfico, irá se debruçar na análise e na escrita de história, se isso fosse assim verdade o historiador seria uma das profissões mais banais e frugais do mundo. Definido isso, avancemos.
É evidente que o ensino de história tem objetivos a serem atingidos, o mais importante talvez seja a conscientização dos estudantes como agentes e entes históricos, dentro dos ditames da cidadania e da cultura local, criando assim um entendimento de que são partícipes do processo histórico e não meros espectadores do mesmo. Dessa forma o professor se torna um fator ainda mais potente dentro desse mesmo processo: sem a ponte entre a sala de aula, e em escala maior, e também de forma alegórica, a própria sociedade, e o conhecimento histórico toda historiografia acaba por ser apenas letra morta lida por um punhado de acadêmicos e pensadores.
Se entendermos que se para fazer pesquisa é preciso traçar, ao fim e ao cabo, um destino social para os avanços e descobertas, ser professor e ser historiador não parece necessariamente ter alguma distinção no que tange o fazer história, expressão que deve ser criticada e estudada em breve por essas bandas. Tanto o historiador quanto o professor, ainda vamos utilizar dessa distinção apenas para fins didáticos, são agentes sociais, se espera deles que entendam a formação e desenvolvimento sociais e que ajudem o indivíduo a se situar nesse fluxo contínuo de tempo que entendemos por história. Ou seja, mesmo atuando em postos antagônicos dessa construção, um cava enquanto o outro exibe a descoberta, essas duas profissões são, por fim, faces de uma mesma moeda: sem o historiador não há o professor e sem o professor não há historiador, um instrumentaliza o outro nessa busca pela consciência histórica, pelo entendimento histórico, pelo conhecimento histórico. Sem o professor esses elementos acabam se tornando ainda mais distantes da sociedade, agora sem o historiador e sua sanha crítica e analítica não haveria o próprio entendimento.
Outro fator decisivo a ser levado em conta, pelo menos para os profissionais de história no Brasil, que raramente um bacharel é apenas bacharel sem nunca passar pelos bancos escolares, não importando qual nível deles. Como a pesquisa científica por esses pagos é intrinsecamente ligada à atividade pedagógica universitária, como, aliás, deve ser, pesquisa e ensino acabam por andarem muito próximos, se não amalgamados.
É preciso levar em conta ainda é que o conhecimento histórico é, por natureza, dialético, retórico, ético e político, ou seja, ele está em eterna contradição conceitual e intelectual, é calcada em um determinado discurso, busca atingir e mover os seres envolvidos nele e é atuante, estruturante e significante no contexto no qual ele se encontra inserido. E quem pode fazer essa mediação? Justamente o historiador: cabe o historiador construir a partir de sua pesquisa do seu objeto histórico utilizando uma metodologia o discurso historiográfico que sedimentará a história para seus leitores. Agora cabe aos professores conseguir instrumentalizar a sociedade, a partir da ponte escola-sociedade, a ler e traduzir esse discurso.
Enfim precisamos ainda colocar que o conhecimento histórico, movido pelo historiador, gera consciência histórica, movida pelo professor, e vice-versa, dessa forma o fazer e ser histórico estão amplamente ligados em termos epistemológicos, retóricos e éticos, somente uma história baseada em consciência e conhecimento pode nos mover, nos significar e ampliar nossos afetos. Ademais, é pura propaganda, saudosismo ou monumentalismo.

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