Um olhar sob o cotidiano da classe trabalhadora
O filme narra a trajetória de Cristiano, um operário mineiro de origem simples, que em determinado momento de sua jornada é instigado a escrever sobre sua vida. Cristiano é um rapaz comum, que cresceu numa periferia mineira, soltando pipa e brincando da forma como a maior parte dos meninos pobres fazem. Chegando no liminar para a idade adulta, Cristiano e um amigo cometem um crime e são presos.
Como egresso do sistema penitenciário, com os laços familiares e comunitários abalados, Cristiano não tem coragem de retornar para a casa e se joga numa jornada sem rumo ou propósito além da sobrevivência.
Anos se passam, o rapaz vende sua força de trabalho como jornaleiro ou por empreitada, sempre na informalidade e nas mãos dos patrões. É possível ver o quão enfadonha e cotidiana é sua vida. Sempre em ocupações braçais, dormindo e comendo mal, Cristiano não reclama pois estar vivo é seu trunfo.

A história nos é contada através de relatos do mesmo que foram encontrados em um caderno sua casa. A narrativa despretensiosa, como um misto de desabafo e lembranças nostálgicas passa verossimilhança ao público. É possível se identificar com as situações, com os cenários e os vocabulários. o filme nos leva a acreditar que de fato Cristiano é um operário mineiro, em alguns momentos as conversas me lembraram os bate papos contidos em Peões, de Eduardo Coutinho, ou mesmo com as conversas que tenho no dia-a-dia com colegas de trabalho – principalmente as que tive quando era trabalhador fabril.
Apesar da melancolia e do “destino” já mal digerido por Cristiano, há lampejos de consciência de classe, principalmente quando entra em campo um personagem que fora sindicalista rural no anos 70, mas que naquele momento se encontrava em ostracismo. O sujeito é respeitado e seus feitos são lembrados com admiração.
A mim especialmente o filme foi cortante, me deixando com um nó na garganta. É um retrato que pode ser diluído na figura de milhões de trabalhadores, quiçá bilhões, que passam a vida sem feitos, importância, um eterno repetir de protocolos e apitos de fábrica, que viveram para gerar riquezas que jamais desfrutaram, deixando proles que seguirão caminhos parecidos. Vidas baseadas em exploração e violência de classe, com pequenos lapsos de prazeres momentâneos. Não existe redenção heróica ou epopeia em Arábia. Cristiano não é sindicalista, não organiza piquetes, não elabora saídas, não se revolta mas entende que as coisas como são simplesmente não valem a pena. Em suas palavras:
Vamos para casa! Somos apenas cavalos velhos!
O Filme é de 2017, dirigido por João Dumans, Affonso Uchoa e estrelado por Aristides de Sousa (Cristiano), premiado nacional e internacionalmente. A filmografia dos diretores é notável. Recomendo Sete Anos em Maio, de ambos diretores.
FICHA TÉCNICA

Nome: Arábia
Direção: Affonso Uchôa e João Dumans
Roteiro: Affonso Uchôa e João Dumans (baseado no conto Araby, de James Joyce)
Edição: Luiz Pretti e Rodrigo Lima
Fotografia: Leonardo Feliciano
Trilha Sonora: Francisco César
Elenco: Murilo Caliari, Aristides de Sousa, Renan Rovida

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