
Na resenha de hoje, trago o livro “Calibã e a Bruxa”, da italiana Silvia Federici. A autora é formada em Filosofia pela Universidade de Buffalo, nos Estados Unidos. Além de sua formação acadêmica, Federici ainda é ativista, professora e escritora.
O livro é baseado em uma análise marxista da situação político-econômica-social do período que contempla a Idade Média até o final da Idade Moderna, falando um pouco ainda da contemporaneidade nas últimas páginas do livro.
O ponto principal de análise da obra é a caça às bruxas na Europa dos séculos XVI-XVIII, porém para chegar no assunto a que veio, a autora, além de nos apresentar diversos conceitos importantíssimos para melhor entendimento da tese, também retoma o período da Idade Média.
O primeiro dos conceitos que a autora nos traz – contido no capítulo 1 – , é o de luta de classes. A luta de classes, diferente do que imaginamos, acontece desde o antigo regime. Além disso, também nos apresenta algumas ideias marxistas e critica a teoria de que a luta de classes só começa a partir da Revolução Industrial e que a mulher, ao estar no âmbito do trabalho doméstico, não tem influência na economia ou nas relações de classe neste período.
Outro conceito importante aqui é o de acumulação primitiva. Todo o segundo capítulo se passa em torno desta ideia. Segundo Marx, a acumulação primitiva é o processo que possibilitou o nascimento do capitalismo.
Marx introduziu o conceito de “acumulação primitiva” no final do tomo I de O capital para descrever a reestruturação social e econômica iniciada pela classe dominante europeia em resposta à crise de acumulação, e para estabelecer, em polêmica com Adam Smith, que: i) o capitalismo não poderia ter se desenvolvido sem uma concentração prévia de capital e trabalho; e que ii) a dissociação entre trabalhadores e meios de produção, e não a abstinência dos ricos, é a fonte da riqueza capitalista. A acumulação primitiva é, então, um conceito útil, já que conecta a “reação feudal” com o desenvolvimento de uma economia capitalista e identifica as condições históricas e lógicas para o desenvolvimento do sistema capitalista, em que “primitiva” (“originária”) indica tanto uma pré-condição para a existência de relações capitalistas como um evento específico do tempo. pp. 117-118
E, novamente, aqui a situação da mulher no trabalho doméstico é excluída da equação. Não há importância. E a autora nos evidencia essa situação durante todo o capítulo.
O terceiro capítulo é curto, mas objetivo. A ideia é falar do corpo. A relação e a domesticação dos corpos. E a necessidade de se domesticar esses corpos. A partir disso, ela traz as teorias de Descartes e Hobbes acerca do corpo e discorre a respeito disso. E esse capítulo é incrível. Talvez tenha sido o mais enriquecedor, pra mim. Segundo Federici:
[…] a primeira máquina desenvolvida pelo capitalismo foi o corpo humano e não uma máquina a vapor, nem tampouco o relógio. p. 268

O quarto capítulo é a tese em si, da autora. Neste capítulo, Federici discorre a respeito da caça às bruxas, todo o processo e as motivações para que isso ocorre. Também fala dos processos de julgamento em si, uma parte relativamente curta, mas contundente. Essa parte da história nos foi tomada. Por mais que a caça às bruxas seja um fato, pouco se sabe a respeito desse assunto.
A autora nos prepara para esse quarto capítulo. Todos os conceitos que trabalha nos três primeiros é exatamente para que quando cheguemos na tese propriamente dita, o entendimento seja mais facilitado. Portanto, talvez estes três primeiros capítulos sejam um pouco mais difíceis do que estamos acostumados, mas tenham calma, vale a pena.
O quinto e último é pensando a caça às bruxas na América espanhola. No Novo Mundo. É um capítulo curto, em que a autora tem como objetivo refletir se a caça às bruxas na América influenciou em algo na Europa ou vice-versa. Inclusive, faz essa reflexão dialogando com um historiador chamado Parinetto, que acredita que houve influência da América espanhola na Europa durante o período da caça às bruxas.
A história das mulheres não nos é contada desde a escola. E esse livro consegue preencher essas lacunas, pelo menos no que concerne à história das mulheres nesse período da caça às bruxas. E ao ler o Calibã, foi exatamente essa sensação que eu tive, de revolta, de que parte da nossa história nos foi tirada desde cedo. Inclusive esse sentimento que eu tenho desde que comecei a fazer a faculdade de História. Por isso é tão importante que se pesquise e descubra os diferentes estudos e análises da História. É necessário lembrar de se ter um pensamento crítico a todo momento, não esquecer de questionar tudo que vemos/lemos/ouvimos.
Esse livro é muito bom, e tem uma bibliografia enorme e incrível. Dito isto, não vou deixar indicações de leituras de apoio ou algo do tipo, só vou recomendar que leiam (eu ainda vou ler também), “A tempestade”, do Shakespeare, porque o título do livro é inspirado nessa peça e, além disso tudo, principalmente o quinto capítulo, talvez seja de melhor entendimento com a devida leitura. E, pessoal, as obras do Shakespeare são todas domínio público. Só jogar aí no google que vocês encontram, ok?

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